Mais da metade dos turistas quer conhecer favelas do Rio
- É o que revela pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) feita no Aeroporto Tom Jobim, a pedido do Ministério do Turismo.
- Jornal O Globo
BRASÍLIA E RIO - O canadense Ryan Robutka trocou as temperaturas negativas do inverno de Vancouver pelo calorão do Rio nas férias deste ano. E já desembarcou no Aeroporto Internacional Tom Jobim, semana passada, com uma certeza: visitaria uma das famosas favelas cariocas. Lá estava ele sábado, no alto do Morro Dona Marta, abraçando a estátua do astro Michael Jackson. Um sorriso mostrava sua satisfação com o que via, o “Brasil real”, em suas palavras.
— É muito interessante ver como as pessoas vivem. Lá de baixo não dá para notar quantos caminhos existem aqui — observou, já com planos de abocanhar um prato de arroz, feijão, bife e batata frita num dos restaurantes locais.
Ryan é um dos milhares de turistas que chegam à cidade com o intuito de se aventurar em meio às vielas de uma comunidade, como comprovou pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a pedido do Ministério do Turismo. No Galeão, mais da metade dos turistas ouvidos disse ter interesse em visitar favelas cariocas. O índice foi de 58,2%, entre os brasileiros, e 51,3%, entre os estrangeiros. Os resultados do levantamento serão entregues hoje ao vice-governador Luiz Fernando Pezão.
Outra questão revelada pela pesquisa , realizada em 2011, diz respeito ao baixo consumo de turistas na favela. Dos visitantes do Dona Marta, 61,4% desembolsaram no máximo R$ 5, gastos principalmente com água e refrigerantes. Apenas 9,5% declararam ter comprado artesanato ou alguma lembrança. Para os pesquisadores, a estrutura de comércio e lanchonetes é deficiente. Outro problema é a falta de banheiros públicos. Moradores disseram ter a impressão de que os turistas têm nojo de comer no local.O percentual maior de turistas nacionais do que de estrangeiros interessados em conhecer favelas surpreendeu os pesquisadores. O guia Thiago Firmino, que nasceu no Dona Marta, conta que, anos atrás, eram mais “gringos” que subiam o morro. Mas, hoje, os dois públicos estão bem equilibrados na compra de seus passeios, que custam R$ 50 por pessoa. O Dona Marta recebe, mensalmente, dez mil turistas, sendo sete mil brasileiros e três mil estrangeiros, segundo contagem da associação de moradores da comunidade.
A alemã Lisa Muehlbacher, que esteve no Dona Marta, admitiu que não almoçaria no morro por receio. Tudo devido à má impressão causada pelo lixo acumulado em vários pontos da favela. Uma vala com esgoto corta o principal ponto turístico da comunidade, a laje do Michael Jackson.
O baixo consumo na favela contradiz com a percepção geral declarada por 82,1% dos turistas brasileiros entrevistados no aeroporto, de que esse tipo de atividade traria benefícios sociais à comunidade. Entre os estrangeiros, esse percentual foi de 73,2%. Percentual similar de estrangeiros — 73% — declarou que as operadoras de turismo lucram com a miséria, ante 65,8% dos brasileiros.
O estudo ouviu 900 pessoas que deixavam o Rio, sendo metade brasileiros e metade estrangeiros; 400 estrangeiros que faziam o passeio no Dona Marta; e 25 moradores, trabalhadores e policiais do morro, que falaram na condição de anonimato.
O levantamento tratou também de outra questão polêmica: o comportamento de quem visita a favela. Para 70,2% dos estrangeiros ouvidos no aeroporto, os turistas se comportam como num "zoológico de pobre". O percentual de brasileiros que pensam assim é menor: 46,1%.
focos de tensão entre turistas e moradores
Para a socióloga Bianca Freire Medeiros, uma das responsáveis pela pesquisa, o turismo em favelas tende a crescer:
— Existe uma demanda internacional por esse tipo de atração. É um fenômeno global que ocorre na África do Sul, na Índia e no México. Os turistas estrangeiros que vierem ao Rio vão continuar procurando. E alguém vai lucrar com isso. Seria interessante que os moradores tivessem algum benefício — diz Bianca.
O levantamento no Dona Marta constatou que a relação entre moradores e turistas tem focos de tensão. Uma delas diz respeito à privacidade da população local, que reclama de visitantes que saem tirando fotos de tudo e todos, sem pedir licença. Houve inclusive moradores que expressaram temor com o destino das imagens, sobretudo de crianças, temendo a presença de pedófilos entre os turistas estrangeiros.
Do ponto de vista dos turistas, a pesquisa concluiu que há demanda por informações sobre a história da favela, bem como por atrações culturais.
O ministro do Turismo, Gastão Vieira, considera que as tensões podem ser reduzidas com a presença de guias locais. Ele defende a oferta de cursos para melhorar não só a formação dos guias, com o ensino de idiomas como o inglês e o espanhol, mas também para elevar a escolaridade dos moradores das favelas:
— Há uma troca de receios. É natural. Precisamos buscar essa interação. Não estamos acostumados a lidar com esse turismo de base comunitária. Temos a possibilidade de promover a inclusão, gerar empregos e renda.
Para os estrangeiros, o fato de o Dona Marta ter uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) — a primeira do Rio — não é decisivo para fazer o tour: 57% deles disseram desconhecer o "policiamento diferenciado". "De forma geral, esses dados podem ser interpretados como indícios de que a preocupação com a segurança não é central para a maior parte dos turistas que visitam o local, na medida em que possuem uma visão mais positiva do que negativa a respeito dessa dimensão", diz a pesquisa.
Mas, entre os turistas ouvidos no Tom Jobim, 76,3% dos brasileiros e 52,4% dos estrangeiros afirmaram conhecer o que são as UPPs, sendo que 65% dos brasileiros disseram que a pacificação seria crucial para sua decisão de visitar uma favela, ante 48,1% dos estrangeiros.
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